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Avistagem de baleias-franca na Praia do Rosa (SC)

Um passeio para ver as doces, lindas, sensíveis, emocionantes e brincalhonas baleias no litoral de Santa Catarina

Por Raquel Ferreira Beer
Atualizado em 28 jul 2022, 14h07 - Publicado em 18 set 2011, 18h04

Atenção: Os passeios de barco para avistagem de baleias foram proibidos. No entanto, é possível observar os mamíferos em terra, conduzido por biólogos.

Quando crianças, aprendemos que a baleia é o maior mamífero do mundo. Difícil é entender como a maior da classe decidiu viver longe de todos os outros colegas, embaixo d’água. Depois, os mais curiosos descobrem que há 83 espécies de baleia no mundo. Dessas, três visitam o Brasil. A bryde, que nada pelas latitudes de São Paulo no verão; a jubarte, que viaja do Polo Sul à costa da Bahia; e a baleia-franca, que, de julho a novembro, faz uma rota mais curta, chegando bem perto de Garopaba e da Praia do Rosa, em Santa Catarina. Ali se reproduzem, aproveitando as águas mornas (mornas, diga-se, para o padrão baleia, porque para nós, humanos, é de gelada a congelante o ano inteiro).

Até 1986, nadar em Garopaba não era bom negócio para as francas. Elas morriam ali. Com 40 toneladas de peso em média (mas podendo chegar a 100!) e até 17 metros de comprimento, dela muito se aproveitava: ossos, barbatana e, especialmente, gordura e óleo, usados na iluminação pública e na produção de argamassa. Era tal a carnificina que a espécie correu risco de extinção. Então a caça foi proibida e, em 2000, surgiu uma área de preservação marinha. Antes, no inverno de 1999, o argentino Enrique Litman começou a levar turistas para ver as baleias. Hoje, se há uma boa razão para ir a Garopaba no inverno e na primavera, é justamente para vê-las.

O tempo nem sempre ajuda. No dia do meu passeio, o céu estava azul, mas o vento cortante doía. Meu tour seria com Enrique, que hoje não está mais sozinho na promoção do passeio.

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Antes de pegar o barco, fui de carona com ele da Praia do Rosa a Garopaba, de onde sairíamos. Falante, ele estava feliz com o número de baleias que havia visto na véspera. “A Michael Jackson aparece todo dia”, disse. Eu não atinei direito com o que dizia, mas depois ele explicou melhor. “É que ela é cheia de manchas brancas e não para de pular.” Com isso, parecia difícil que, ao fim de duas horas de navegação, eu não visse os animais.

Mas não custava perguntar: “Há risco de não vermos nada?”. Enrique suspirou e disse: “Baleias são como garotas. Precisamos paquerá-las”.

As baleias-franca fazem um esguicho em forma de V. Também têm calosidades sobre a cabeça e dão pequenos saltos. Seu nome em inglês é right whale. É que ela é a baleia “certa” para ser abatida: nada por áreas costeiras, é dócil, boia ao morrer. Tudo isso aprendi na palestra de 30 minutos que a bióloga Mônica Pontalti, do Instituto Baleia Franca, ONG da qual Enrique é presidente, ministra antes do passeio. Não minto se disser que me sentia em um filme que, à medida que o roteiro transcorria, ia criando cada vez mais empatia entre mim e a baleia.

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Corta para um flashback. Naquela mesma manhã, eu já havia visto, da praia, uma delas. Eu e a fotógrafa Alice Martins madrugamos para ver o sol nascer no Rosa. Chegamos à praia no momento em que o astro começava a banhar as ondas com tons alaranjados. As cores da aurora já eram um espetáculo, mas melhor ficaram quando uma mancha preta surgiu no mar para logo desaparecer. Uma baleia. Ela então começou o seu show, o nosso show particular. Nadadeira para cá, cauda para lá. Enquanto Alice se desesperava com os cliques, enviei um “até logo” mental à gigante.

De um pequeno bote alcançamos o barco. Era uma Babel: ali estavam dois hondurenhos, três ingleses, três americanos, três franceses e dois garopabenses – provavelmente os mais difíceis de entender. Todos de parca amarela, boa para enfrentar o vento. Motores ligados, girávamos a cabeça como em um jogo de tênis. Ninguém queria perder nenhuma aparição súbita. O barco havia deixado a Praia Central, cruzado Siriú e já chegava a Gamboa. Foi quando alguém da tripulação anunciou: “Baleia às 11 horas”. Não era horário, mas referência espacial. Devíamos olhar no ângulo dos ponteiros, direção noroeste, e ela lá estaria. A cena tinha um quê de Moby Dick, o clássico do americano Herman Melville: a bordo do barco Pequod, o índio Tashtego solta um grito e aponta para o mar. No livro, a excitação dos personagens com a aparição do bicho é imediata; no nosso caso, não foi diferente. Mas, se na ficção a baleia era um ser bestial, aqui era um doce. Só tinha ternura por ela. Depois de alguns instantes, emergiram duas pontas de sua cauda negra.

Ela não estava assim tão próxima porque os barcos só podem chegar a 100 metros do animal, sempre com o motor desligado. No barco, brincávamos de estátua. Evitávamos respirar para que ela não se assustasse. Como dissera Enrique, era a hora da paquera. Se a baleia retribuísse nossa corte, chegaria perto do barco. Câmeras em punho, tentávamos adivinhar por onde nadava submersa para prever onde emergiria logo depois. De novo, ela nos mostrou a cauda, dessa vez demorando-se um pouco mais. “Ou ela quer se refrescar ou apenas velejar, deixando o vento levá-la”, disse Mônica, a bióloga.

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“Lá se vão as caudas!”, era o grito de Tashtego que ecoava na minha cabeça. E tanto lá como cá, a baleia se foi. Os motores foram ligados novamente e navegamos até outra parada. A excitação aumentou. Os americanos estavam de pé sobre os assentos, segurando-se nas barras; os franceses debruçavam-se sobre os bancos. Valia tudo para ver agora uma mamãe e seu filhote, o bichinho já com cerca de cinco metros. Os dois vieram à superfície, exibiram-se, desceram, reapareceram. Estavam muito próximos do barco. O que eu via era uma mancha negra, de proporções imensas. Espanto! Medo! Alegria! Coloque as cordas e os metais e você tem a trilha da cena mais esperada do filme. Então os protagonistas afundaram e desapareceram.

Depois de ver mãe e filhote, o dia estava ganho. Já voltávamos à Praia Central de Garopaba quando uma baleia apareceu saltando ao longe – segundo Mônica, um movimento de acasalamento. Foi só um salto de um personagem secundário, mas o céu azul a se misturar com o mar compôs bem o quadro. Mas isso não foi tudo. A primeira baleia que avistamos – a primeira cauda – ressurgiu. Já devia ser um trailer do “Baleias 2”. Os motores foram novamente desligados e, entre um mergulho e outro, ela aproximou-se. Podia rachar o barco com a cauda. Hipnotizados, fomos para a proa – mas rápido demais. Ela ouviu o barulho de nossos pés e raspou dali.

A jornada havia sido memorável. Enquanto o bote não chegava para nos levar de volta à praia, o americano Bruce Moreira exultava. “Só tinha visto orcas nos Estados Unidos, mas isso aqui é demais. Chegam muito perto!”.

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Sentada no barco, eu olhava para o céu azul, para o mar, para o céu. Lembrei-me da baleia que quase se chocou com o barco. Eu sabia ser algo quase impossível, mas pensei se não era a mesma do Rosa, a minha baleia, que vi ao nascer do sol, agora vindo se despedir.

Se eu tivesse pretensões literárias, talvez fosse melhor não usar esta passagem de outro clássico da literatura americana, O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Mas não resisto a citar Santiago, o protagonista do livro: “Nunca vi nada mais bonito, mais sereno e mais nobre que você, minha irmã”.

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