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Sem pimenta, por favor

Bangcoc, Chiang Mai, Koh Pha-Ngan e Koh Phi Phi: dá para ser feliz com pouco na idílica e sexy Tailândia

Por Adriana Setti
Atualizado em 16 dez 2016, 09h17 - Publicado em 8 set 2011, 11h22

Uma lufada de ar úmido a mais de 35 graus era o sinal de que Bangcoc estava ali, assustadora, desafiando-me em plena madrugada. Depois de alguns vaivéns ao redor da lendária Khao San Road, uma espécie de gueto ocidental de Bangcoc, o taxista finalmente encontrou o lugar que eu havia reservado pela internet. Uma biboca de dar medo. Caminhando por um beco escuro onde o táxi não cabia mais, cruzei com um exército de baratas robustas e bem alimentadas até trancafi arme em meu quartinho de paredes acinzentadas. O ar-condicionado emitia o ruído de uma turbina de avião. Dormi querendo a minha mãe.

Amanheceu. E a cidade que serviria de entrada  a uma expedição de um mês pelo país mais visitado do Sudeste Asiático mostrou sua faceta mais doce. Eu já estava batizada. Havia constatado, na  pele, por que o guia Lonely Planet recomenda investir mais em hospedagem nos primeiros dias (eu havia pago 6 dólares por aquele cafofo) até que  corpo e alma estejam em sintonia com o “nível básico” tailandês de conforto, capaz de ajustar-se ao mais minguado dos orçamentos.

Cheiros, cores, caos, luz, calor, sorrisos, mar,  poeira, delicadeza, desafi o. A Tailândia é céu e inferno. E aí está a graça. Viajar livremente pelo país com poucos planos e o coração aberto (e também  pouco dinheiro se for o caso) é uma imersão em um novo mundo e na sensação de estar sendo o primeiro a pisar em cada palmo de chão, ainda que esteja  cercado por uma multidão de farangs como você. Experimentar a Tailândia é queimar a língua nos mais furibundos dos curries até aprender a dizer  “no spicy” (pronuncia-se “no sapaaaaiciiiii”) em tai-inglês. É ver os olhos dos locais brilharem ao falar do rei, sua majestade Bhumibol Adulyadej, que  ocupa o trono há mais de 60 anos. É dormir num bangalô na praia mais linda da sua vida e acordar com um gueko (uma espécie de lagarto psicodelicamente  colorido) gritando no seu ouvido. É ter vontade de abraçar cada pessoa que lhe faz uma delicadeza e expressar isso num singelo wâi, o inclinar de cabeça que substitui o contato físico. É rezar para que mais um golpe de Estado não aconteça durante a sua viagem. É apostar sem medo em infinitas  possibilidades de acertos e erros e viver dias de delícia, surpresas e sensações nunca dantes navegadas. É perder a virgindade de novo.

BANGCOC

Legenda: Altar de oferendas, no centro de Bangcoc

Se você acha que já viu de tudo nesta vida, espere até chegar a Bangcoc. A capital da Tailândia é uma megalópole onde se esbarram diariamente algo em torno de 6 milhões de almas (10 milhões na Grande Bangcoc) e onde religião e paganismo, pandemônio e modernidade convivem em uma harmonia caótica que um visitante de primeira viagem certamente  não será capaz de decifrar por completo. A menos que você tenha nascido com um GPS acoplado ao cérebro, orientar-se na cidade renderá a sensação de “nunca mais chegarei ao hotel” pelo menos cinco vezes ao dia. Os nomes das ruas podem ser “ocidentalizados” em mil versões diferentes e, quando uma placa aparece milagrosamente em seu caminho, o nome da rua provavelmente não será bem aquele estampado no seu mapa. Relaxe e ria de si mesmo, que um dia você chega ao lugar que pretende.

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Dar uma volta de tuk tuk, o lendário táxi de três rodas, é um clichê necessário. Mas não o encare como um meio de transporte eficiente para chegar aonde realmente pretende (os motoristas ganham comissões para cada cabeça que conseguem arrebanhar para as lojas de seda ou suvenires). Pegar um táxi pode não ser tão pitoresco, mas, caso logre  fazer com que o taxímetro seja ligado, a corrida sai em conta e você poupa os seus pulmões de muita fumaça, a mesma que ajuda a engrossar a  neblina marrom que cobre o céu da cidade. Outro jeito “sem emoção” de se locomover é usar o moderníssimo Skytrain (que infelizmente só abrange parte de Bangcoc) e os barcos que navegam pelo  Rio Chao Phraya, à beira do qual ficam os templos mais importantes e alguns dos hotéis de luxo.

Ao mesmo tempo, o caos das ruas é uma das  melhores dimensões da cidade. São tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo que, no fim do dia, o cérebro parece implorar por um lugar tranquilo  e confortável para processar tanta informação. Deixe a economia para os bangalôs simples à beira-mar, menos hostis que os quartos econômicos  sem janela onde muita gente se entoca nos arredores da Khao San Road.

A Khao San, diga-se, é uma atração às avessas:  um lugar qualquer que se tornou uma espécie de megagueto ocidental, em que os mochileiros se entrincheiram como se fosse necessário procurar  a proteção dos iguais contra as garras da louca cidade. E essa maçaroca de néons e turistas acuados acabou virando algo que vale ser vivido. Tenha em mente que tudo o que se vende por ali tem grande chance de ser fajuto e superfaturado, incluindo aí as moçoilas de pés 42 que circulam pelas esquinas,  os pacotes turísticos, as bolsas Louis Vuitton, as carteiras de estudante, de motorista…

Produtos bem mais autênticos estão no Mercado de Chatuchak, um dos maiores do mundo, que reúne centenas de milhares de pessoas para comprar furiosamente, passear, comer ou bisbilhotar.  É uma festa autêntica e também uma oportunidade de comprar roupa e badulaque baratíssimos – caso esteja afiado na arte da pechincha.

Bangcoc está em romances de John le Carré,  Gore Vidal e Norman Mailer. Também está no Guinness Book, como recorde de maior nome de lugar no mundo, com 168 letras: “Krung Thep Mahanakhon  Amon Rattanakosin Mahinthara Ayuthaya Mahadilok Phop Noppharat Ratchathani Burirom Udomratchaniwet Mahasathan Amon Piman Awatan  Sathit Sakkathattiya Witsanukam Prasit”, que significa “Cidade dos anjos, grande cidade dos imortais, magnífica cidade do deus Indra, sede do rei de Ayuthaya, cidade dos templos brilhantes, cidade  dos esplêndidos palácios e domínios do rei, casa do Vishnu e de todos os deuses”. Parte de toda essa mítica se deve aos seus templos suntuosos, entre os quais os mais importantes estão reunidos na área de Ratanakosin, que está para o budismo tailandês assim como o Vaticano está para os católicos. Ali ficam os sagrados Wat Phra Kaew e Wat Pho, além de o Grande Palácio. Reserve um dia, vá de calça comprida e ombros cobertos e prepare-se para se acotovelar entre milhares de turistas.

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Quando não aguentar mais caminhar, aproveite  a abundância de ofertas de massagens para relaxar a sua sofrida carcaça. A escola de massagistas que funciona atrás do Templo do Buda Reclinado (Wat Pho) é uma das opções mais confiáveis e lhe proporcionará um encontro carnal com o divino.

CHIANG MAI

Legenda: Mercado noturno em Chiang Mai

Antiga capital espiritual e econômica da Tailândia, Chiang Mai já foi um centro comercial de grande importância no Sudeste Asiático. Com 1,6 milhão de habitantes, uma culinária especialíssima e mais  de 300 templos, a cidade é um dos principais destinos turísticos do país, no qual muita gente investe mais de uma semana.

Colorida com um mercado noturno agitado  e um centro histórico com vocação para a boemia, o lugar também é um ponto estratégico para visitar o extremo norte – as províncias de Chiang Rai e  Mae Hong Son -, onde as fronteiras de três países (Tailândia, Laos e Mianmar – a antiga Birmânia) se encontram entre arrozais, montanhas cercadas  de brumas e vales verdes. Hoje relativamente pacificado, o triplo encontro à beira do Rio Mekong forma a área conhecida como Golden Triangle,  que no passado, principalmente durante a Guerra do Vietnã, foi uma das principais regiões produtoras de ópio e heroína do mundo.

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Quem passou a vida descendo a Serra do Mar todos os fins de semana pode não se encantar facilmente com as tais montanhas verdes cercadas de brumas. Mas o que pega, para nós, brasileiros, é o lado exótico do lugar. Os arredores de Chiang Mai estão entre os melhores locais do país para safári de elefante (caso você tenha estômago para ver os bichinhos dando duro em condições questionáveis) e visitar tribos de costumes peculiares, isto é, grupos indígenas originários da Tailândia e também de refugiados de Mianmar, imigrantes do Laos e da China, que cruzam a fronteira fugindo da perseguição às minorias (no caso de Mianmar)  ou em busca de melhores condições. A mais famosa delas é a tribo Karen, mais conhecida como a das “mulheres-girafas”.

É um choque cultural indescritível ver aquelas meninas e mulheres, invariavelmente lindas, com o pescoço deformado por sucessivas argolas de metal que são adicionadas de tempos em tempos para que a distância entre os ombros e a cabeça aumente mais e mais, provocando o efeito de “pescoço de girafa”. Segundo as tradições ancestrais, as argolas protegiam as mulheres, frágeis e indefesas, da mordida letal dos animais selvagens. Hoje em dia, porém, as meninas são o ganha-pão daquela gente que, após amargar anos em campos de refugiados, adquiriram alguns direitos, mas ainda não são considerados cidadãos tailandeses.

A calma é necessária para quem se anima a fazer os passeios de dois ou três dias, a melhor maneira de explorar a natureza e os arrozais dos seus arredores. Quem faz um trekking de três dias pernoita em cabanas improvisadas nas aldeias, o que permite um contato maior com as tribos locais. Com menos tempo, vale contratar passeios de um dia em que a sola do sapato é trocada por uma van e, rodando muitos quilômetros (numa velocidade insana), é possível ver um pouco de tudo.

KOH PHA-NGAN

Legenda: CAMINHO DAS ÁGUAS – Maya Bay, em Phi Phi: a praia mais linda e a experiência mais louca de sua vida podem estar na Tailândia

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Nem a mais contida das criaturas pode evitar. Chutar um ou vários baldes na mundialmente famosa Full Moon Party faz parte. É que eles, os baldes, estão por toda parte. Conscientes da sede voraz das cerca de 30 mil pessoas que sacodem o esqueleto na Praia de Haad Rin a cada lua cheia, os vendedores de bebidas vão direto ao assunto: em vez de copos, baldes, onde são despejadas iguarias como uísque tailandês e Red Bull (a versão tailandesa ainda é aquela que vem num vidrinho de remédio, banida de todos os países ocidentais, capaz de fazer morto se levantar da tumba e correr uma maratona). Mesmo quando a lua não está cheia, Haad Rin é o epicentro da boemia de Koh Pha-Ngan. Mas, para a festa, todos os bares da praia abrem ao mesmo tempo. Somem-se a isso cuspidores de fogo, dançarinas, uma dose extra de loucura e a festa está armada.

Com 170 quilômetros quadrados de área, fincada no Golfo da Tailândia entre as ilhas de Koh Tao e Koh Samui (e a 100 quilômetros de Surat Thani, de onde se pega o barco), é óbvio que nem só da lua cheia vive a ilha. A 40 minutos de carro de Haad Rin, o norte da ilha, onde ficam as praias de Mae Haad, Haat Yao e Chaloklum, ainda tem o perfil de paraíso perdido, com enseadas tranquilas povoadas por poucos bangalôs à beira-mar e vilas autênticas de pescadores. À leste, a ilha ainda é praticamente  selvagem, com praias acessíveis somente por barcos. Portanto, reserve alguns dias pós-jaca para esperar a ressaca passar e curtir o que os mais pacatos – ou mais sensatos – consideram o melhor de Koh Pha-Ngan.

KOH PHI PHI

Legenda: VIVER A VIDA A (quase) deserta Bamboo Island, nos arredores de Koh Phi Phi, com água azul e areia-talquinho

Duas baías que por pouco não formam piscinas totalmente fechadas, uma de costas para a outra, desenham uma espécie de borboleta. Como se não bastasse, a ilhota vizinha tem lagoas verde-esmeralda escoradas por precipícios altíssimos e Maya Bay, o cenário do filme A Praia, em que o galã-urso-de-pelúcia Leonardo DiCaprio encontra um paraíso dominado por uma comunidade secreta. Arrasada pelo tsunami de 2004, a ilha custou a dar a volta por cima. Mas hoje em dia o desastre só se faz notar nas placas em homenagem aos mortos e aos que ajudaram na reconstrução. E não é que, num lugar como esse, tem gente que mal vê a luz do dia?

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O Reggae Bar, a maior balada do fervidíssimo centrinho de Phi Phi, é um complexo de bares, pista de dança e lounge que se acomoda ao redor de um ringue de boxe tailandês onde os próprios frequentadores se engalfinham em público, provando que o conceito de diversão pode variar um bocado conforme o ponto de vista de cada um e a quantidade de doses de Samg Som (um rum tão popular quanto perigoso) ingerida. O ponto alto da noite sempre acabam sendo os combates femininos, como o que tive a honra de presenciar e durante o qual uma sueca com pinta de bonequinha mandou para a lona uma indiana que, no ímpeto de tomar coragem, tragou vários goles a mais e subiu ao ringue com a estabilidade de um pudim.

No turno do dia, Phi Phi também é um espetáculo memorável. Localizada no sul da costa oeste tailandesa, equidistante dos balneários turísticos de Phuket e Krabi, a beleza de Phi Phi é tão escancarada e sua área tão pequena (apenas 28 quilômetros quadrados) que conhecer tudo em dois ou três dias é bastante viável. Os passeios em barcos de pescador de cauda longa, um ícone nacional, passam pela deserta Bamboo Island, que tem água azul cristalina e areia branca como talquinho, fazem uma parada em Monkey Beach (povoada por macacos) e colocam a cereja no bolo em Maya Bay, a tal d’A Praia. No fim do passeio, ainda rola um mergulho com snorkel ao lado de tubarões (inofensivos!) para o caso de existir alguma dúvida de que Phi Phi ficará para sempre na sua memória.

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