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Cafayate é o novo éden dos vinhos argentinos

Com lindos cenários naturais e hotéis confortáveis, a cidade brilha em torno de sua uva torronté

Por Cecilia Arbolave
Atualizado em 7 out 2021, 09h18 - Publicado em 12 mar 2012, 20h17

Enquanto Mendoza turbina seus atrativos com crupiês e roletas na esperança de se tornar uma Vegas do malbec, outra região vinícola argentina começa a aparecer para o viajante e mostrar que uva, natureza, conforto (e um toque sofisticado de arte contemporânea) são mais do que suficientes para montar um destino de felicidade saturada. Cafayate, 1 600 quilômetros a noroeste de Buenos Aires, está para a uva torrontés como Napa Valley para o pinot noir e Mendoza para o malbec: uma espécie de território sagrado. Para quem descobriu recentemente os prazeres de viajar bebendo ótimo vinho na fonte, Cafayate tem tudo para ser a parreira da vez.

De início, uma distinção. Cafayate não deve ser confundida com a gelada El Calafate, a “capital argentina dos glaciares”, onde está o famoso Perito Moreno. Não são definitivamente placas de gelo se precipitando sobre a água que você vai ver (ou ouvir) ali, onde o sol dá as caras dia sim, dia sim e chove em um ano menos do que em São Paulo em um mês. A cidade nortenha empresta charme à província de Salta, cuja capital, também chamada Salta, merece dos argentinos o carinhoso e estimulante apelido de “La Linda”. Toda a província é admirada pelos enófilos por causa dos chamados “vinhos de altura”, que são produzidos com uvas plantadas a não menos de 1 700 metros (podem chegar a 3 100; em Mendoza, os parreirais estão a no máximo 1 200 metros de altitude). O grande tesouro é a uva branca torrontés, autóctone da Argentina. O vinho torrontés tem o que os especialistas chamam de “personalidade”. Eric Asimov, crítico do jornal The New York Times, celebrou o produto em artigo chamando-o de “coisa mais quente a chegar da Argentina desde o tango – ou desde o malbec”. Pode ser uma alusão à graduação alcoólica do torrontés, na casa dos 14%, “perfeita” para muitos sommeliers, ou, quem sabe, aos toques florais (rosa, jasmim e mel) e de frutas (laranja, tangerina) que emprestam ao vinho um delicioso appeal.

Ir a Cafayate é fazer pitstops em aprazíveis bodegas cercadas por densos parreirais e cênicas paisagens. Trabalham ali produtores renomados, como Arnaldo Etchart, que, junto com o enólogo francês Michel Rolland, desenvolve novos rótulos para a adega San Pedro de Yacochuya. Além da chuva rarefeita da região, a amplitude térmica (que chega a variar 20 graus em um único dia) ajuda a manter as plantas fortes e livres de pragas, o que faz com que o cultivo seja quase orgânico, com utilização moderada de conservantes. Nessas condições, a planta trabalha sob os raios intensos do sol e descansa nas noites frescas. E, para se proteger, a uva desenvolve uma pele mais grossa e escura, resultando em vinhos com maior intensidade de cor, aroma e sabor.

A província de Salta concentra menos de 2% da produção de todas as uvas viníferas da Argentina. Mas, como os melhores vinhos nem sempre estão nos maiores barris – ditado que acabo de adaptar –, o vinho local vale mesmo ser conhecido. É bom registrar que, além do torrontés, a região produz malbecs, cabernet sauvignons, syrahs e tannats. Tanto as adegas artesanais como as maiores recebem os interessados em conhecer os bastidores da fabricação da bebida. Iniciei meus trabalhos dionisíacos na Bodega El Tránsito, que, se fosse hotel, seria da categoria “butique”. O lugar fica a um quarteirão da praça central de Cafayate. Minha visita pelas compactas e modernas instalações durou cerca de 20 minutos e, no encerramento, como esperado, houve degustação. Além do torrontés, foram servidas variedades de malbec e cabernet sauvignon. Tudo muito agradável. Nessa hora os anfitriões aproveitaram para fazer uma defesa enfática da resistente rolha sintética, que não mudaria o sabor do vinho, como dizem os portugueses, eternos propagandistas de sua tradicional cortiça.

Depois fui à Bodega Salvador Figueroa. A casa surgiu da paixão do conceituado enólogo local “Chavo” Figueroa, que, depois de trabalhar para várias adegas, decidiu criar uma do jeito dele. Com técnicas e equipamentos artesanais, não produz mais que 7 mil garrafas anuais de torrontés e malbec. Há na cidade ainda a Bodega Nanni, pequena e familiar, com vinhos produzidos sem conservantes, em processos mais tradicionais. Se quiser ir mais fundo, a Bodega Domingo Hermanos, que se instalou nos anos 1990 na região, é uma ótima pedida. Lá são feitos dez tipos de vinhos – cinco brancos e cinco tintos –, e os enólogos da casa ensinam a harmonizálos com queijos, entre outras bossas.

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Start em Salta

O principal aeroporto da região está em Salta, a 190 quilômetros de Cafayate. Eu também aterrissei ali, e minha viagem de La Linda a Cafayate, pela Ruta 68, foi num daqueles ônibus turísticos Double decker, em três horas. Não tive dúvida de qual assento escolher: o da primeira fila, no segundo andar do veículo, onde há uma bela janela panorâmica. De lá contemplei montanhas coloridas e rochas com formatos muito curiosos. A paisagem é belíssima. Na região da Quebrada de las Conchas me deliciei com as formações rochosas que são vistas da estrada, curva após curva. Poucos quilômetros antes de Cafayate começam a aparecer as adegas que também hospedam os amantes do vinho e das coisas boas da vida. O elegante Patios de Cafayate Hotel & Spa, que faz parte da tradicional Bodega El Esteco, do século 19, chama atenção por seu casarão de estilo colonial restaurado. O Patios integra a rede GBH (da marca Starwood) e tem 30 quartos, uns com vista para o jardim principal, outros para os vinhedos e as montanhas. É na chegada a Cafayate que as estradas se encontram, e a Ruta 68 encosta na famosa Ruta 40, via paralela à Cordilheira dos Andes que percorre o país de norte a sul. Se você tiver a boa ideia de seguir para o norte por ela, vá sem pressa, detendo-se um pouco nos pequenos vilarejos, onde pastores de lhamas e tecelãos dão aquela cara latino-americana de altiplano ao lugar.

De Cafayate são 116 quilômetros até a simpática Molinos, com suas casas de adobe e seus telhados de terra batida. Diferentemente da maioria dos povoados da região, Molinos não tem uma configuração tipicamente colonial, com uma praça central e uma igreja. O lugar se desenvolveu em torno da Hacienda (fazenda) Calchaquí de San Pedro Nolasco, do século 17. O prédio antigo foi restaurado e hoje recebe hóspedes sob o nome Hacienda de Molinos.

A 20 quilômetros dali, desviando da Ruta 40 por um caminho de rípio (espécie de cascalho que atrapalha um pouco na hora de dirigir), está Colomé, a 2 300 metros de altitude, onde fica um dos lugares mais bonitos da região: a Bodega Colomé. Fundada em 1831, é uma das mais antigas bodegas da Argentina. O lugar já era notável, mas ficou ainda mais a partir de 2001, quando o empresário suíço Donald Hess comprou e reformou a propriedade, além de trazer maquinário moderno e empregar novas técnicas de produção. A cereja do bolo foi a construção de um hotel de luxo, a Estancia Colomé. Se você der sorte, pega na Estancia o próprio anfitrião, que pode atuar como guia. Hess é ainda um colecionador sério de arte contemporânea – em seu acervo há nomões como Francis Bacon, Gilbert e George, Frank Stella, Georg Baselitz. Sua coleção preenche três museus pelo mundo, sempre em suas propriedades vinícolas (como Napa Valley, na Califórnia, e Paarl, na Áfica do Sul). Em Colomé, o museu é totalmente dedicado às instalações de luz do americano James Turrell. Uma delas é exibida num pátio interno, a céu aberto, e é fruída com mais intensidade ao nascer e ao pôr do sol. Com todas aquelas montanhas a emoldurar, o resultado é um espetáculo. Hess também pode se orgulhar de ter, numa região mais ao norte, em Payogasta, os vinhedos mais altos do mundo, plantados pouco mais de 3 111 metros acima do nível do mar. Ali ele cultiva uvas pinot noir, malbec, cabernet sauvignon, petit verdot, syrah e tempranillo.

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De volta à Ruta 40, um tiro de apenas 50 quilômetros leva a Cachi. Com ruelas e casarões antigos, o vilarejo tem locações perfeitas para cavalgadas e passeios (atléticos) de bike. Toda a região bordeja o Parque Nacional Los Cardones, onde você vai querer fotografar cada cacto do caminho e onde o ziguezague da íngreme Cuesta del Obispo parece interminável. Vale fazer uma pausa no mirante La Piedra del Molino.

Depois de tantos vinhedos, vilarejos e desertos até onde a vida alcança, a chegada à “gigante” Salta para o voo de retorno pode até ser um tanto anticlimática. Mas a capital provincial, com seus 500 mil habitantes, honra o apelido de La Linda com casas de típicas sacadas coloniais. Um teleférico dá visão panorâmica da cidade e dos morros que a circundam. Passe pela famosa mas não turisticona Casona del Molino, própria para ouvir rodas de folclore argentino (as peñas). Na Calle Balcarce, prove uma verdadeira empanada saltenha no Café del Tiempo. A parrilla pode ser no Lós Cardones. Quanto ao vinho, você já estará tão familiarizado com ele que pode até pagar uma de sommelier.

GUIA VT

Cafayate (54/3868)

Ficar

O Patios de Cafayate (Ruta 40, 42-2229; diárias desde US$ 406; Cc: A, M, V), junto à Bodega El Esteco, tem spa com tratamentos à base de uva. O Cafayate Wine Resort (25 de Mayo, 42-2272; diárias desde US$ 170; Cc: A, M, V) tem cave para degustação. Hóspedes dos dois hotéis têm acesso a um campo de golfe de 18 buracos. Em Tolombón, a 14 km de Cafayate, está o Altalaluna Boutique Hotel & Spa (Ruta 40, 387/461-0283; diárias desde US$ 190; Cc: A, M, V), com quartos com vista para os parreirais, sauna e spa. Em Molinos, a melhor opção é o Hacienda de Molinos (Abraham Cornejo, 49-4094; diárias desde US$ 130; Cc: M, V). Em Salta, o Design Suítes (Pasaje Castro, 215, 387/422-4466; diárias desde US$ 160; Cc: A, M, V) tem quartos confortáveis e uma galeria de arte.

Comer

Para jantar, o restaurante do Cafayate Wine Resort tem carne de lomo grelhada e servida com verduras e cogumelos por cerca de R$ 35. O El Criollo (Guemes Norte, 254, 42-2093) serve cabrito na brasa ainda mais barato. Em Salta, bons endereços são o da Parrilla Los Cardones (Balcarce, 876, 387/432-0909) e do Café del Tiempo (Balcarce, 901, 387/432-0771), com pratos generosos para dividir.

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Passear

A região de Cafayate tem alguns despenhadeiros (as “quebradas”) que vale conhecer. Como a Quebrada de las Conchas, na Ruta 68. Em Cafayate, o Hostal Ruta 40 (Avenida Güemes Sur, 178, 42-1689) aluga mountain bikes por cerca de R$ 30 por dia. Têm visitação as bodegas urbanas El Tránsito (Rua Belgrano, 102, 42- 2385), Nanni (Silvério Chavarría, 151, 42-1527) e Domingo Hermanos (Nuestra Señora del Rosario, 42-1225). Na área rural estão a Domingo Molina (154-52887) e a Bodega Colomé (Ruta Provincial 53, km 20, 387/439-4009), onde ficam as instalações de luz do artista James Turrell. O Museo de la Vid y el Vino (General Güemes Sur 42-2322; cerca de R$ 12) tem recursos tecnológicos. Uma das grandes atrações de Salta é o Tren a las Nubes (387/422-3033; US$ 185), que percorre um trajeto de 217 quilômetros cheio de pontes e abismos. Dos 1 187 metros de Salta ele chega a 4 220 no monumental viaduto La Polvorilla. O trem sai de Salta às 7h05 e volta às 23h48, pelo mesmo trajeto. Paisagens maravilhosas dos Andes rendem belas fotos, enquanto os trilhos escalam as montanhas, ora em ziguezague, ora por túneis e pontes. O trem faz apenas duas paradas, mas possui carro-restaurante e assistência médica para quem sofrer com os males da altura.

COMO CHEGAR

Não há voo direto para Salta. De São Paulo, por Buenos Aires, a Aerolíneas Argentinas (0800-7073313) voa desde US$ 644. A LAN leva desde US$ 508 a Salta, mas é preciso descer em Ezeiza e tomar outro avião no Aeroparque. De Salta a Cafayate, a Flecha Bus (387/422-4409) tem passagens de ônibus desde US$ 135. Para alugar carro, a Sixt (387/421-6064), no aeroporto de Salta, desde US$ 70 por dia.

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QUEM LEVA

A Pisa (11/5052-4085) tem quatro noites em Salta, uma em Cachi, uma em Cafayate e uma em Purmamarca, mais ao norte, desde US$ 2 350. Há visita à vinícola Porvenir de los Andes, em Cafayate, entre outras atrações. A Flot (11/3231-2311) tem roteiro de sete noites por Salta, Cafayate, Purmamarca e Tucumán e passeios a cidades diversas, desde US$ 2 260. Já o roteiro da Terra Mundi (11/3588-1515) tem uma noite em Buenos Aires, duas em Córdoba, uma em Purmamarca, duas em Salta e uma em Cafayate. Há passeios em Cachi e Salta, além de tour em Quebrada de Huamahuaca e visita a uma vinícola em Cafayate. Custa desde US$ 2 276.

 

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