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Capadócia: passeios por mosteiros e balões

Um exagero de graciosos contornos rochosos, cidades subterrâneas, kebab que cozinha no vaso, cerâmicas, tapetes. E balões sob os olhos de São Jorge!

Por Bruno Favoretto
Atualizado em 16 dez 2016, 07h44 - Publicado em 8 dez 2014, 18h49

Antes de saber que eu iria para a Turquia, minha única referencia sobre a Capadócia não era a novela, e sim o Jorge Ben. “Jorge da Capadócia, Jorge da Capadócia (…), Jorge sentou praça na cavalaria, e eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia.” Para nós, brasileiros, é indissociável a figura de São Jorge dessa regiao a 760 quilômetros de Istambul, localizada bem no meio da Turquia, na chamada Anatólia Central (os turcos se referem a porçao asiática do país como Anatólia, costume que vem do período do império otomano). Jorge, soldado romano do império de Diocleciano, declarou-se cristão e, por causa do gesto, foi assassinado pelos coleguinhas no ano 303. É que os romanos não eram cristãos na época – eles os exterminavam. A dogmática saga do santo, juntamente com as angulosas formaçoes rochosas, as cidades subterrâneas e os icônicos baloes, atrai todos os anos cerca de 1,5 milhao de turistas para esse território que pode ser muito bem desbravado em dois ou tres dias. Pela distância de Istambul, a forma legal de chegar é voar com as tarifas acessíveis da Turkish Airlines. Caso se enfiar em aeroporto nao esteja nos planos, alugar um carro e viajar em meio as plantações de damasco não é nada mau.

Filhas da tufa

Se já é difícil encontrar gente falando ingles em Istambul exceto nos hotéis e nas principais atrações turísticas, na Capadócia é um pouco pior, então me dei ao luxo de explorar as cidadezinhas bem próximas umas das outras com guia. Arranjei um com a operadora Bon Voyage. Ele foi me buscar no aeroporto de Nevşehir e, para meu choque, quando já estávamos no carro, disse que poderia falar em portugues. Que fenômeno é o Can (se pronuncia “Djan”): o cara trabalhava com uma brasileira, se interessou pelo nosso idioma e aprendeu sozinho em um ano. Demais, ainda mais na cabeça de uma pessoa que teve difculdade para decorar o “obrigado” (teşekkür ederim) deles. Só nao dava para esquecer como se pede licença (é tipo francês, pardon). Minha primeira impressao do que é a Capadócia foi em Uçhisar. Eu precisava ir ao banheiro, e paramos em um centrinho com suvenires e comidinhas. Ao sair do lavabo, eu me dirigi ao carro, mas o Can me chamou para passar entre as lojinhas. Foi quando eu vi. É um clichezaço dizer uau, que é de tirar o fôlego, mas olhar as formações pela primeira vez é simplesmente “caraca!” De onde eu estava, um forte que fun cionou até o século 12, avista-se uma quantidade imensurável de contornos variadíssimos, que compõem essa paisagem há algo em torno de 30 milhões de anos – já serviu de cenário para flmes como Medea, de Pier Paolo Pasolini, e Motoqueiro Fantasma. Ao fundo se vê o antigo vulcão no monte Erciyes, que, quando ativo, cobriu a região com suas cinzas. Estas se solidifcaram em um material chamado tufa, que, por ser de fácil erosão, facilitou para que o vento e a chuva gerassem tantos moldes inusitados: cones mais alongados, em formato de cogumelo… Alguns têm uma espécie de tampa e são conhecidos como Chaminés das Fadas, reunidas sobretudo em Zelve e Pasabagi, onde fca o Vale dos Monges.

Já o Vale da Imaginação é um stop obrigatório para cliques, mesmo que você não consiga identifcar nas pedras a superfície lunar ou as silhuetas de um camelo, de um cão e de um tubarão. Fiquei mais fascinado, porém, pelo Museu a Céu Aberto de Göreme. Foi onde mais me aproximei de São Jorge. O espação, que concentrou mosteiros por séculos (acredita-se que São Gregório e São Basílio viveram ali), junta seis igrejas. Logo na primeira, a de Santa Bárbara, um afesco de São Jorge do século 4 já com o dragão bem apagado, bom motivo para a proibição de fotografas lá dentro. Os desenhos perduram até hoje porque eram utilizadas fezes de pombo para ajudar na fixação da tinta – os hititas que habitavam o lugar, milênios atrás, também as usavam como adubo para plantar uva, sem falar nos essenciais serviços de pombo-correio.

Se você não estiver de carro ou de scooter alugada, saiba que bastam 20 minutos a pé desde o Museu a Céu Aberto para chegar ao centrinho de Göreme, o pedaço com a maior infa de comércio e restaurantes. No Old Cappadocia, a gente se sente um nativo ao provar o testi kebab. A carne é misturada a legumes, pimenta e molho de tomate e cozida dentro de um vaso de argila – testi signifca “jarro” –, que é selado com massa de pao; depois do preparo, o garçom quebra o vaso e serve.

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Bafão no balão

Claro, os passeios de balão são tão característicos da Capadócia quanto São Jorge, além de ser a forma mais popular de enxergar tudo isso. Mas é bom voce saber que nao é barato (em média € 150), que tem de chegar ao local umas 5h30 da manha, que o bafo do fogo para dar propulsao esquenta a nossa cara e que, em casos muuuito extremos, ele pode colidir, como tristemente aconteceu há um ano, tragédia que matou três brasileiras. Se isso desestimulou a sua intençao de voar, veja os baloes colorirem o céu em terra frme. Aproveite para caminhar no Ihlara Valley, oásis verde na árida e bela Capadócia.

É embaixo da terra, aliás, que resistem as fantásticas 36 cidades subterrâneas, como a de Kaymakli, que abrigou 6 mil cristãos que eram caçados pelos romanos. É demais flagrar cozinhas, quartos, depósitos para alimentos, igrejas e, o mais legal, as chaminés. Para que os inimigos nao descobrissem os refugiados, elas eram integradas a chaminés de casas abandonadas da cidade; assim, quando os facínoras chegavam, viam a fumaça saindo de uma residência vazia. Tocante como imaginar isso é passear com o Can por Mustafapaşa, onde ele nasceu, que era uma vila grega até 1924. Can me levou a casa que foi de uma mulher cheia da grana, mas que era sozinha e se sentia feliz por abrir sua morada para realizar os casamentos dos pobres. História com uma vibe que me fez lembrar de novo da música do Jorge Ben: “Perseverança, ganhou do sórdido fingimento, e disso tudo nasceu o amor; Jorge é da Capadócia, viva Jorge!”

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Maio de 2014 – Edição 223

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