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Cidade do Cabo sem medo

Por que gostamos de atravessar o oceano e visitar a Cidade do Cabo, que ficou ainda mais bonita e surpreendente depois da Copa do Mundo

Por Mari Campos
Atualizado em 16 dez 2016, 00h34 - Publicado em 3 jul 2012, 19h40

Você já ouviu essa comparação muitas vezes. Mas é difícil não ver algo do Rio de Janeiro na Cidade do Cabo, a capital legislativa – e turística – da Áfica do Sul. Mar, montanhas, baía de beleza natural extrema, bondinho, climão relax… O difícil é cruzar o oceano atrás de algo que já conhecemos, não? Então vamos à principal diferença: o que falta em uma e sobra em outra é o vinho, definitivamente. Da Cidade do Cabo parte a maior rota de vinhos do mundo, a Rota 62. Do ponto inicial até Port Elizabeth, passando por cidadezinhas adoráveis como Stellenbosch, Paarl e Franschhoek, são nada menos que 850 quilômetros de vinhedos e vinícolas, grande parte delas aberta à visitação. Capricha na pronúncia desses nomes difíceis e vem.

Primeiros goles

Você chegou, quer saber a que veio, mas ainda não se sente pronto para encarar a Rota 62. Eu sugiro: comece por um passeio por Constantia Valley, região de vinícolas a apenas 15 quilômetros do centro. Você não precisa contratar um tour nem se aventurar na mão inglesa: os ônibus turísticos de dois andares, que circulam pela cidade toda de hora em hora, param na porta de três vinícolas do vale (outras cinco ficam de fora). Quando vir o Jardim Botânico Kirstenbosch, prepare-se para descer. Dois pontos de atenção: a Groot Constantia, a vinícola mais antiga do país, em funcionamento desde 1685, e a Cape Malay Experience, atividade promovida pela chef-celebridade Martha Williams dentro do Relais & Châteaux Cellars-Hohenort para grupos de seis a 20 pessoas, cinco vezes por semana. Todos são convidados a botar a mão na massa para reproduzir pratos da culinária sulaficana, muito influenciada pelos indianos. Saem samosas (pastéis apimentados) e especialidades banhadas no curry, como lentilhas e cordeiro, que fica perfeito, aliás, com um pinotage local. Sim, você notou bem. Já começamos as degustações e algumas lições, que compartilho: pinotage é a uva autóctone do país, resultante da mescla de pinot noir e hermitage. Junto com as clássicas cabernet sauvignon, cabernet fanc, merlot e sauvignon blanc, compõe as big five das uvas viníferas sul-aficanas.

Rota 62

Feita a introdução, estamos prontos para avançar pela Rota 62. Eu fiz um pedacinho dela em vários bate e voltas. Mas é possível e muito gostoso pernoitar pelo caminho – o que exige um pouco mais de programação. Sempre por essa estrada, ao se afastar por uma hora e meia da Cidade do Cabo, você entra em uma dimensão de mais de 200 vinícolas, muitas delas em propriedades que datam do século 17. São tantas, e tão distintas, que Rushdi, o meu motorista-guia no tour da Wow Cape Town Tours, a agência que eu escolhi depois de uma longa pesquisa, fez a pergunta mágica: “Que vinícolas você quer conhecer hoje?” Antes de prosseguirmos, um aviso. É recomendável contratar um tour e passar longe da locadora de carros. Uma taça ou duas de vinho já podem superar os limites de álcool permitidos para motoristas, lá também detectados por bafômetros. Multa e detenção são certas para quem for flagrado. Por isso eu tinha Rushdi, que me levou primeiro pela Rota dos Vinhos de Stellenbosch, criada no início dos anos 1970. Aprendi que foi ali que se inventou a cepa pinotage, e ainda pude apreciar, entre montanhas muito verdes, a belacidade de arquitetura colonial holandesa que tem ares cosmopolitas – uma das principais universidades do país, a Universiteit Stellenbosch, fica ali.

Entre as bucólicas Stellenbosch e Paarl, o borboletário do Butterfly World

Entre as bucólicas Stellenbosch e Paarl, o borboletário do Butterfly WorldImagem – Foto: Caio Vilela

De vinícola em vinícola, paradinhas iam bem, como no Butterfly World, um jardim botânico com borboletário e museu de insetos, a caminho de Paarl (“pérola”, em holandês, referência ao brilho“ perolado” da cidade ao ser banhada pelo sol). Uma vez lá, eu guiei meu guia e fomos às vinícolas mais visitadas por brasileiros: a gigante KWV e a Nederburg, que ocupa uma autêntica manor house (casa colonial do século 18). Apenas R 30 (R de rands, a moeda local, que meu cérebro rapidamente convertia para euros, pois a conversão estava facinha de fazer, 10 para 1) pagavam um tour, uma breve aula sobre colheita, fermentação e armazenamento e – a melhor parte – uma degustação de três vinhos no final.

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Mas foi Vrede en Lust, a primeira sugestão100% Rushdi, a minha predileta. Fica em Franschhoek, a pouco mais de 20 quilômetros de Paarl. Pequena e discreta, a Vrede tem degustações diárias feitas de maneira inusitada: a cada doseservida, uma das ladies in red (como suas funcionárias, sempre de vestido vermelho, são chamadas) se aproxima e conta a história de amor que deu origem à propriedade. E alguém aí resiste a uma boa história de amor? (Se é o seu caso, pule o próximo parágrafo.)

Reza a lenda das mocinhas de vermelho que o badalado vinho Marguerite Chardonnay recebeu esse nome por causa de Marguerite de Savoie, aristocrata fancesa que, em 1688, ousou se apaixonar por um escravo bengali da fazendade seu pai, um protestante que ocupara aquelas terras. Marguerite casou-se com seu amado, que, descobriram mais tarde, era de linhagem real. (Rushdi acertara em cheio. Adorei.)

Franschhoek, fundada por fanceses huguenotes (como o pai de Marguerite) no século 17, parece uma vila de bonecas com lojinhas, antiquários, cafés, bed & breakfasts e restaurantes. Ali, no hotel Le Quartier Français, fica The Tasting Room, o restaurante da chef mais famosa da Áfica do Sul, Margot Janse. Ela está desde 2002 na lista dos 100 melhores do mundo da revista Restaurant – aquela que dá a Alex Atala o quarto lugar. Mrs. Janse aparece em 57º.

Se ainda estiver disposto a uma aventura, contrate os serviços da vinícola Warwick, que vende por R 80 um passeio a bordo de uma Land Rover, como nos safáris, pelos vinhedos da propriedade. Degustações estão incluídas.

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A taça e a Copa

Mas nem só de taças vive o viajante. Falemos de outra, um pouco maior, a Copa do Mundo de 2010, que deu nova roupagem à Cidade do Cabo, seu ponto de partida ou de chegada. Não que a cidade precisasse. “Ela já era linda, limpa e organizada”, diz Luciana Volpon, brasileira que trabalha com receptivo de turistas há oito anos. “Mas é inegável que hoje há maior oferta de hotéis, maior competição de tarifas e melhoria de algumas estradas e ruas, entre várias mudanças boas.” Fato é que o Mundial, à semelhança do que acontece em outros países sede, fez bem para o turismo. Reflexo disso é a cidade ter ganhado uma competição como melhor destino do mundo para os usuários do site TripAdvisor em 2011. Se já era bom, ficou melhor.

Há coisas novas a ver e desfrutar. Uma delas é o Estádio Green Point, que, para a Copa, foi demolido e totalmente reconstruído, transformando o skyline da cidade. Quem o vê do mar, como durante o passeio a Robben Island – a ilha prisão na qual Nelson Mandela viveu encarcerado por 18 anos, hoje transformada em um tocante museu –, percebeo contorno do campo aos pés da Table Mountain de qualquer ponto.

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Com capacidade para 70 mil pessoas, o estádio serve hoje mais para propósitos turísticos do que para o esporte, embora alguns times joguem lá, dentre eles dois xarás de grandes clubes: Santos e Ajax, resquício da colonização holandesa, que contou com o zagueiro Eduardo, ex-Corinthians, de 2007 a 2009. Boa parte da receita é gerada com visitas guiadas e shows – em 2011, o estádio recebeu U2 e Coldplay.

Outros legados bacanas da Copa foram a Fan Walk, circuito de lojas e restaurantes que liga a estação de trem principal ao Green Point, e a ampliação do aeroporto – brasileiros costumam chegar cedo para voos de volta, animados com as duty fee.

Gostamos muito

E, por falar em nós mesmos, estamos em alta conta por lá. Nos últimos dois anos o Brasil entrou na lista dos dez países de longa distância que mais enviam visitantes para a Cidade do Cabo. São 55 mil dos nossos por ano. E o que fazemos? Ah, não deixamos a cidade sem curtir o bondinho (ou cablecar, como o chamam localmente) até o topo da Table Mountain, dentro do parque nacional que leva seu nome. A vista é tão desbundante que a gente recorre a mil clichês para descrevê-la. Praias, rochas, vinhedos, paragliders contornando a Lion’s Head, tudo o que compõe uma “paisagem deslumbrante” está ali.

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Depois da Table Mountain, vamos ao Waterfont. Seus píeres foram turbinados para a Copa com botecos musicais  e hotéis restaurados, como o Cape Grace. E tem o Belthazar, o maior wine bar do país. Gostamos muito. Ali perto também fica o Two Oceans Aquarium, com cerca de 3 mil animais marinhos, como os disputados pinguins Rockhopper. Gostamos também de pinguins.

A Cidade do Cabo também dá praia, ô, se dá, apesar do mar gélido. Gostamos menos de mar gélido, mas adoramos Clifon, Camps Bay, Hout Bay e The Boulders, que ficam com as areias lotadas nos dias quentes. Para quem curte um segredinho, o bairro Kalk Bay, bem na ponta sul da península, definitivamente vale o deslocamento. Ainda pouco conhecido dos turistas, tem lojas de roupas alternativas, antiguidades, sebos e cafés com uma vibe hippie-chique. Se gostas de ser exclusivo, deverás ir logo ao Kalk. Não te arrependerás.

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