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Reino da impermanência

Um dos melhores lugares do mundo para viver, Cingapura desafia o turista com ruas em eterna mutação e atrações que se multiplicam em cascata

Por Eduardo Petta
Atualizado em 16 dez 2016, 08h07 - Publicado em 6 fev 2013, 16h32

As estruturas do Grande Prêmio de Fórmula 1, aquele que lançou a moda das provas noturnas  da categoria, vão sendo retiradas das ruas enquanto na Baía de Cingapura é erguido o palco  para o mundial de canoagem. O Balé Bolshoi despede-se do Teatro Esplanade, abrindo espaço para uma montagem à Broadway de A Bela e a Fera. No ArtScience Museum, uma exposição  grandiosa de Salvador Dalí dá vez à pop art de Andy Warhol. O chef três-estrelas Guy Savoy  comunica o novo cardápio de seu restaurante. Na Orchard Road, dançarinos ensaiam hip-hop e artistas de rua se apresentam nas esquinas, indiferentes ao vai-e-vem dos muitos fequentadores as galerias e centros comerciais da via. Centro financeiro global, dono do segundo porto mais movimentado do mundo, sexto melhor lugar do planeta para “nascer” segundo a revista  Economist e com uma população de altíssimo poder de compra, Cingapura talvez pudesse ser  chamada de Reino da Impermanência.

O cenário não para de mudar nessa cidade-Estado de 700 quilômetros quadrados – uma  Campinas – que se distribui por ilhas que no mapa parecem mero apêndice da Malásia.  Cingapura cria landmarks um atrás do outro. A sensação de ontem (digamos: a piscina de 150 metros de comprimento do topo do Hotel Marina Bay Sands; a Singapore Flyer, segunda maior  roda-gigante do mundo; a sucursal do parque temático Universal Studios) parece déjà vu hoje.    Isso num lugar supostamente inviável até outro dia. Quem fica a contemplar as águas do Rio Cingapura desde os deques de tantos bares e restaurantes bacanas talvez não se dê conta de que o rio, até os anos 1980, era completamente poluído.

Cingapura é a prima rica do Sudeste Asiático, mas nem sempre foi assim. Fundada como entreposto colonial inglês, tornou-se independente em 1965 e manteve sua vocação comercial. Seus cartões de visita são o premiadíssimo aeroporto Changi (um dos 20 mais movimentados do mundo), que tem features para os passageiros como piscina, spa, cinema e computadores  e uso gratuito, e seu moderníssimo porto. Em 2012, 13 milhões de estrangeiros colocaram o pé no país, mais que o dobro da população. À vocação comercial, Cingapura agora soma clara vocação turística.

A piscina mais alta do mundo no topo do Marina Bay Sands, em Cingapura

A piscina mais alta do mundo no topo do Marina Bay Sands

Comida é arte

Eu fico pensando. Como um paulistano como eu (apesar de hoje viver em Bali e ter passado bom tempo de minha vida em Ubatuba) daria dicas de restaurantes para um gringo comer em São Paulo? Suponho que perguntaria primeiro sobre suas preferências gastronômicas e intenções de desembolso. Isso vale para Cingapura também, mas com diferenciais: aqui é servida comida asiática (tailandesa, chinesa, vietnamita) em padrões altíssimos de excelência. E em cenários lindos, inimagináveis em São Paulo. Concebe um jantar memorável à beira do Tietê? Às margens do Rio Cingapura, contudo, há deques muito agradáveis para quem quer comer e beber bem. Como plus, a visão dos barcos apinhados de turistas.

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Os restaurantes mais românticos ficam no bairro de Boat Quay, onde mesas iluminadas por velas em castiçais dão mais sabor aos frutos do mar fescos. No vizinho Clarque Quay, o pique é mais jovem, com restaurantes se misturando a boates e suas fachadas de luz neon. Juntinho à foz do Cingapura, na Fullerton Square, vale reservar lugar no restaurante Palm Beach para comer caranguejos gigantes. A vista para a baía aos pés do Merlion, a estátua de um enorme leão (Singha) com corpo de peixe, o ser mitológico que deu nome à nação, não é cobrada como couvert artístico.

Cingapura também tem uma cena de comida de rua que não deixa nada a desejar. No Arab Quarter, a dica é o delicioso roti pratha, uma espécie de panqueca feita na hora com diversos tipos de recheio, como frango ao curry. Em Little India, o reduto indiano, quem gosta de comida desse país – e das suas pimentas – vai se divertir na Teka Centre. E, em Chinatown, a cerveja é mais barata do que em outras partes da cidade.

As barraquinhas de comida de rua de Chinatown, em Cingapura

As barraquinhas de comida de rua de Chinatown

Os chefs-celebridades mundiais também marcam presença em Cingapura. Não por outra razão, a cidade recebe, no fim de fevereiro, a solenidade de premiação da 50 Best, a mais relevante lista da gastronomia mundial (conseguirá o Noma seguir invicto? E o D.O.M., sobe ou desce?). Mantém restaurantes em Cingapura gente como Mario Batali (do Osteria Mozza), Daniel Boulud (Bistro Moderne) e Guy Savoy, todos no Marina Bay Sands. Savoy dá um banho com seu menu Bites and Bubbles. Ostras com gelatina de gelo, lagostas com coração de palmito e vinho tinto e alcachofras em sopa de trufa negra valem a visita e não acabam com o seu patrimônio.

Mas não para por aí. Na Orchard Road fica o Iggy’s, até fevereiro o melhor restaurante asiático da 50 Best (e 26º do mundo). E na Armenian Street está o Fify Three, do chef local Michael Han, que já trabalhou no The Fat Duck, no Mugaritz e no Noma, trio de ferro da alta cozinha internacional. Seu menu degustação sai por US$ 200 (sem bebidas) e inclui pratos como barriga de porco com mostarda de Dijon e ervas cultivadas pelo próprio chef.

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O estrelado restaurante Rise, no Marina Bay, em Cingapura

O estrelado restaurante Rise, no Marina Bay

Diversão em qualquer parte

Pode-se dizer que Cingapura é como Londres, Nova York, Tóquio, um desses destinos multiuso. É bom para quem está em lua de mel, dadas as opções high- end de hotelaria e gastronomia; para mochileiros – há gente do mundo todo, indo e vindo de e para países vizinhos, como Tailândia, Indonésia e China; e também, como é meu caso, para curtir em família. Sempre vou para lá com a Carol, minha mulher, a responsável pelas fotos desta reportagem, o miúdo Tiago, de 8 anos, e a baby Luisa, que acabou de completar 1 ano.

E é por estar nessa “configuração” que eu, que sempre torço o nariz para animais enjaulados, fui ao Singapore Zoo. E lá mudei um pouco meus conceitos. Vimos uma fila de orangotangos passar de mãos dadas bem ao nosso lado. Esses animais, seriamente ameaçados de extinção em seus habitats tropicais das ilhas vizinhas de Bornéu e Sumatra, pareciam ali bem felizes. Os olhinhos do Tiago, meu filho, brilharam quando os bichos, trepados nas árvores do recinto, começaram a fazer piruetas e dar cambalhotas. O espetáculo era digno de um documentário da National Geographic. Infelizmente, nesse dia, o famoso tigre branco não veio dar boa tarde, mas foi possível ver outros animais bem de pertinho. Compre o ingresso casado com o contíguo Night Safari (custa U$ 42). Entre o encerramento das atividades do zoológico às 5 da tarde, e a hora de entrar para “caçar” leões, elefantes e rinocerontes no breu a bordo de um trenzinho, dá para fazer uma gostosa boquinha.

Outro destino para toda a trupe é a Sentosa Island. Em seus 500 hectares, tudo é prazer: praias artificiais de areias bem branquinhas e coqueiros, beach clubs, parques temáticos, resorts, cassinos. Ali estão a sucursal da Universal Studios e suas áreas temáticas do Jurassic Park, Shrek e Madagascar. Mas há muito mais em Sentosa. Em um mesmo dia é possível surfar numa piscina de ondas, mergulhar num aquário para alimentar tubarões e ainda flutuar no espaço num túnel de vento, fazendo sky diving indoor. Ali, a diversão preferida do Tiago foi um tipo de tobogã com carrinhos de rolimã que descem no maior gás. Como dá para apostar corrida – e ele ganhou todas do pai –, queria sempre ir de novo. Em dezembro passado, para dar mais corda à face da Eterna Mudança de Cingapura, foi inaugurado em Santosa o Marine Life Park, tido agora como o maior oceanário do mundo. São 100 mil animais marinhos de 800 espécies, das gigantescas arraias-manta aos tubarões-martelo. Embora se venda como instituição interessada na preservação da vida marinha, o lugar foi alvo de ambientalistas ao importar 27 golfinhos das Ilhas Salomão, dos quais dois morreram.

Aquário do Marine Life Park, em Cingapura

Aquário do Marine Life Park

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Para os mais crescidos, a cena é agitada. Pela Esplanade passam espetáculos da Broadway. No ArtScience Museum, que flutua na baía como uma gigantesca flor-de-lótus metálica, há uma agenda de exposições bem bacana (já esteve ali o fotógrafo David LaChapelle, e agora está em cartaz uma seleção da agência fotográfica Magnum). Já vi ali uma enorme exposição de Salvador Dalí e outra de Andy Warhol, com direito à sua apropriação da famosa sopa Campbell.

O museu é também parte integrante do incrível Marina Bay Sands, o complexo de hotel de luxo, cassino e shopping center. Projetado pelo arquiteto israelense radicado no Canadá Moshe Safdie, custou a fábula de US$ 5,5 bilhões. São três torres gêmeas de 55 andares unidas por uma plataforma no topo dos prédios. O local, conhecido por Sky Park, pode receber 3 900 pessoas, e seu comprimento é equivalente a 4,5 vezes o tamanho de um Airbus A-380. Fica lá, a 220 metros de altura, a famosa piscina de 150 metros de comprimento e borda infinita contornada por altos coqueiros que foram transplantados de helicóptero. E também a discoteca badalada Ku-dé-ta, com vista de 360 graus. Na parte de baixo, o complexo engloba um hotel com 2 561 apartamentos, um cassino com 600 mesas e um shopping onde é possível fazer um tour pelas lojas de gôndola – não espere que o condutor cante O Sole Mio. Não por acaso o grupo proprietário do Marina Bay é o mesmo do The Venetian, o hotel-cassino gigantesco de Las Vegas.

Roda da fortuna

Outra brincadeira high-tech é a Singapore Flyer, que gira a 165 metros de altura (30 metros a mais do que a inglesa London Eye). Em cada uma das 28 cápsulas da roda-gigante cabem exatamente 28 passageiros. Os locais acreditam que esse número atrai prosperidade. A superstição e a crença nas teorias do feng shui são levadas tão a sério em Cingapura que, três meses após ser inaugurada, a Flyer teve a direção de sua rotação alterada. Acreditava-se que, no sentido original do movimento, do centro financeiro para o mar, a roda-gigante poderia mandar a riqueza da ilha embora. A roda então passou a girar para o lado da fortuna. Como é que os países europeus e os Estados Unidos não pensaram nisso?

Sedução nas vitrines

“Temos seis lojas Gucci, sete Burberry, cinco Prada e cinco Louis Vuitton espalhados por mais de 150 shoppings. Nosso povo adora comprar”, me disse Jung Lin, 39 anos, gerente de uma das lojas Louis Vuitton. “Shopping é a nossa igreja. Não temos tantas opções de lazer, por isso nos especializamos em seduzir”, completou. Talvez Lin estivesse sendo muito modesta, ou mesmo insincera, ao falar das poucas opções de lazer de Cingapura. Mas é fato que no país sempre haverá uma vitrine para mexer com os seus desejos. Estremeci no Funan Mall, o maior reduto de eletrônicos, onde adquiri um Mac e um iPad para a família. Lembre-se de guardar a nota para ter restituído, ao deixar o país, o imposto de 7% que os estrangeiros não precisam pagar.

Shoppings no Marina Bay Sands e na Sentosa Island (perfeito para produtos de beleza, como atesta a Carol) já encantam o suficiente, mas não deixe também de bater pernas na Orchard Road, onde estão a ION, o Paragon e o Takashimaya.

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A agitada Orchard Road, em Cingapura, com suas lojas de grife

A agitada Orchard Road, com suas lojas de grife

Sempre citada como uma das melhores cidades para viver, ainda mais para abrir negócios, Cingapura é vanguardista em soluções urbanas. Introduziu o primeiro sistema manual de pedágio urbano e agora aperfeiçoa uma lógica de controle em tempo real; a ideia é ter dados tão precisos de trânsito, meteorologia e deslocamento no interior do território que será possível ajustar inteligentemente, por exemplo, a oferta de táxis em toda a cidade. Cingapura também investe em dessalinização de água do mar para reduzir sua dependência da Malásia. O país ainda persegue metas sustentáveis. Em depoimento ao jornal local The Straits Times, Yaccob Ibrahim, diretor do IMCSD, um comitê governamental de desenvolvimento sustentável, afirmou que o modelo a ser seguido é o melhor possível: a Costa Rica, país que está em vias de se tornar o único do mundo a neutralizar sua emissão de carbono.

E há a impermanência. No começo do ano passado, vi do alto do Marina Bay Sands uma área de 100 hectares de terra tomada por uma brigada de tratores. No fim de 2012, a obra estava pronta: o Gardens by the Bay, uma floresta com 12 árvores metálicas gigantes interligadas por pontes suspensas e cobertas de orquídeas, bromélias e outras plantas estrangeiras – um verdadeiro mundo de Pandora de Avatar para desfrute da população e dos visitantes. As coisas aqui evoluem rápido, tudo muda, tudo cambia. Como minha querida São Paulo seria se vivesse nesse ritmo? 

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