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Paisagem com Monet

Giverny, a uma hora de Paris, onde Claude Monet passou as últimas décadas de vida, faz a gente encontrar algum sentido na existência – e muita beleza

Por Paulo Nogueira
Atualizado em 4 out 2019, 18h29 - Publicado em 15 set 2011, 17h12

Estou em êxtase”, escreveu Claude Monet (1840 –1926) a um amigo em 1883. “Giverny é um lugar esplêndido para mim.” Algum tempo depois, “certo de jamais haver visto uma paisagem tão bonita”, o pintor se instalou ali para não mais sair até sua morte, aos 86 anos. Giverny, uma vila localizada na junção dos rios Sena e Epte e a menos de uma hora de trem de Paris, já era então mais que o abrigo do artista, uma imagem de assombrosa beleza frequente nas telas do criador do impressionismo.

Não vou dizer que fiquei em êxtase, mas, ao chegar a Giverny, depois de pegar o trem em Paris, tive uma sensação muito boa. Giverny não é um destino frequente para brasileiros que vão a Paris, mas deveria ser por várias razões. Pela importância histórica, pela boniteza única e, por que não?, pela facilidade de acesso. Você pode fazer uma visita a Giverny durante o dia e ainda retornar a Paris para jantar. Sobrará tempo para um banho no hotel em que você poderá organizar na mente as cenas lindas que presenciou. Ao caminhar pelas ruas de Giverny você terá a impressão de que está caminhando nas telas de Monet.

É uma experiência singular.

Seu tempo será mais bem aproveitado se você fizer uma pesquisa sobre Monet e Giverny. Posso dar aqui uma pequena mão. A palavra “impressionismo” derivou de um quadro de Monet chamado Impressão, Sol Nascente, exibido em uma exposição coletiva em 1874 – a primeira dos artistas que viriam a ser conhecidos justamente como impressionistas. Um crítico fez graça com esse título em um artigo publicado em abril daquele ano. “O que esse quadro significa?”, escreveu ele. “Impressão, como eu pensei. Então, como eu disse a mim mesmo, como estou impressionado, deve haver alguma impressão nele.” Surgiu então o impressionismo, o movimento que, com base no uso revolucionário de cores, se imporia no mundo das artes pelo meio século seguinte. Nomes como Monet, Manet, Cézanne, Degas fascinariam amantes e colecionadores de arte de todos os lados a partir daqueles dias – e para sempre.

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Primeiro a gare

É um passeio esplêndido em todas as etapas. Você deve chegar antes à Gare de St. Lazare, de onde sai o trem de Paris, para admirá-la. Essa estação representou em meados do século 19 a ligação dos franceses com o mundo, no apogeu da Era das Ferrovias. Os trens tinham o apelo poderoso que mais tarde seria transferido para os carros e para os aviões. Monet mesmo, antes de abandonar Paris, retratou St. Lazare, fascinado pela mistura de fumaça com os raios de sol.

Você paga cerca de € 25 pela passagem de ida e volta. O trem é o que vai para Rouen, mas para ir a Giverny você desce em Vernon. Muita gente desembarca lá para ver Monet. Há ainda um trecho de 7 quilômetros que você pode fazer de táxi ou de ônibus. Fiz de ônibus (€ 4, ida e volta), mas recomendo táxi. O ônibus é grande e só sai quando lota. Isso pode significar uma espera de meia hora. Se estiver com disposição esportiva, você pode alugar uma bicicleta e pedalar pelo caminho plano e florido que leva a Giverny.

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Em Giverny, Monet, nascido em Paris, refugiou-se com a mulher e os filhos do caos da capital e teve a paz necessária para fazer, já na maturidade da meia-idade, a obra que para muitos é a quintessência do impressionismo: os jardins dos quais ele cuidou com desvelo científico. São particularmente belos os nenúfares que aparecem em muitos de seus quadros. A essa coleção ele chamou de Ninfeias – o nome técnico desse gênero de plantas. Monet era um leitor voraz de publicações de jardinagem e um jardineiro aplicado.

Primavera em Giverny

Por motivos óbvios, o melhor momento para ir a Giverny é a primavera, na qual a natureza floresce. E é mesmo só a partir de abril, primavera na Europa, que as principais atrações de Giverny reabrem para visitação. Mas, se você estiver em Paris em outra estação, isso não deve desanimá-lo de seguir até lá. Fui no outono e na volta a Paris, no meio da tarde, já sabia que vira coisas de que jamais me esqueceria. Voltei com sede de impressionismo. Em minha geladeira está um ímã com uma tela do neoimpressionista francês Maximilien Luce.

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Uma retrospectica de Luce estava em cartaz no Museu do Impressionismo. Fui vê-la. Minha atenção foi tomada por um quadro de Luce sobre a Comuna de Paris, a primeira tentativa de criar um regime comunista na história da humanidade. O artista trai no drama de sua tela sua simpatia pela causa. Os mortos estão na calçada, e o sonho igualitário, destruído. O quadro de Luce parece dizer quanto ele lamentava o desfecho sangrento da Comuna em uma combinação de compaixão pelos vencidos e raiva dos vencedores. Ao contrário dos impressionistas, a arte de Luce era engajada. Era um gauche, um artista de esquerda, um homem que pintou e coloriu o povo.

Não é apenas Monet que está ali, embora naturalmente seja ele a figura dominante. Como é praxe na França, você come bem na cidade. Há restaurantes no complexo do Museu do Impressionismo. Se você decidir andar pelos arredores para sorver o ar puro da região, vai encontrar boa comida. Foi o que fiz. Parei em um restaurante no qual havia um grupo de turistas chineses – um tipo de situação cada vez mais comum nesta era de crescimento explosivo da China. Os donos estavam ali na labuta: um casal na casa dos 30 anos, ele servindo, ela como chef. Franceses merecidamente estão nos últimos lugares em listas de povos simpáticos, mas, quando elogiei a comida da mulher – bife com molho chateaubriand, batata, arroz na quantidade justa, tudo disposto com graça em um prato charmoso como só os franceses sabem montar –, conquistei um sorriso do marido que me pareceu genuíno.

Tênis para caminhar quanto for necessário e câmera para fotografar o que você puder são essenciais em uma visita a Giverny. Fotografei muito com minha câmara tosca. Fiz até um autorretrato abraçado ao busto de Monet em que apareço cortado pela metade, mas com ele milagrosamente intacto. Você vai precisar de calma apenas na hora de enfrentar a fila para a Fundação Monet, onde estão a casa e o jardim que pertenceram ao pintor. É naturalmente o que os visitantes mais procuram em Giverny. Está lá o maior acervo do pintor. Se você é tão impaciente que não suporte filas em passeios nem sequer para ver Monet, ainda assim, sem isso, Giverny vale a pena – e como. O impressionismo ali jamais saiu de moda. Você pode comprar quadros impressionistas de artistas contemporâneos a preços razoáveis, o equivalente a R$ 1 000. Parecem Monet, mas não são Monet. Nada é perfeito.

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Na velhice, Monet retratou compulsivamente Giverny. Ele sofria de catarata e já não sabia por quanto tempo poderia enxergar. Recusava-se a operar os olhos. Quando finalmente aceitou a cirurgia, teve um derradeiro alento. Em carta a um amigo em 1925, ele disse que estava trabalhando “como nunca” após vencer a catarata. Tinha 85 anos. Disse que queria apenas chegar aos 100. Não deu. Um ano depois, em plena atividade, ele morreu. Restou Giverny como o testemunho de uma arte inovadora, extraordinária, única; e também como um daqueles lugares em que ao chegar você consegue encontrar algum sentido (e muita beleza) na vida.

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