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Relato do casseta Helio de la Peña sobre Galápagos

HELIO DE LA PEÑA mergulhou entre arraias e leões-marinhos, viu aves que inspiraram a teoria da evolução e constatou que a natureza não é para amadores

Por Helio de la Peña
Atualizado em 5 jul 2021, 12h59 - Publicado em 7 dez 2011, 20h28

Um dos maiores prazeres de uma viagem é deixar amigos e parentes boquiabertos na volta. Nesse quesito não há destino melhor que Galápagos. É uma viagem detirar o fôlego duas vezes: uma, quando estiver enrolado no mar com sua máscara de snorkel; a outra, quando estiver enumerando a enorme quantidade de espécies endêmicas que viu por lá. E ainda vai tirar uma onda explicando o que significa “endêmico”, termo que você não cansa de usar em Galápagos.

Escolhemos o La Pinta, um barco médio e confortável, com capacidade para 48 pessoas. Para mim, uma aventura inédita. Ficar sete dias confinado em um barco com 44 pessoas desconhecidas é sempre um risco. Acabei vivendo uma espécie de BBG – Big Brother Galápagos. Uma vez embarcados, o comandante nos reúne para as boas-vindas. A impressão que tenho é de ter acabado de entrar em um romance de Agatha Christie. E que um dos passageiros será assassinado em alto-mar. Apavorado, me tranco na cabine e deixo de ouvir a preleção.

Pelo alto-falante, o comandante avisa que o almoço será servido em cinco minutos. Como bom brasileiro, imediatamente me preparo para tomar um banho de meia hora e chegar cheio de fome à praça das armas. Infelizmente a maioria dos passageiros não é de brasileiros. Todos descem pontualmente e raspam o tacho do bufê. Ao chegar havia apenas um restinho de sopa e um copo de suco de pêssego. Aprendi a lição e fiquei esperando o primeiro passeio nas ilhas para tentar comer uns cactos.

O Parque Nacional de Galápagos é um exemplo de preservação. O ingresso é um tanto salgado: US$ 100 por pessoa. Por algum motivo que não faço ideia, brasileiro paga meia. Talvez por medo de a gente inventar uma versão pirata das ilhas. Um rigoroso controle é feito na entrada: nenhuma fruta ou animal podem ser levados para lá. Se estava pensando em carregar seu cachorrinho, esqueça. Deixe-o amarrado em um poste em Guayaquil ou em Quito e o resgate na volta da expedição.

Charles Darwin é a maior celebridade das ilhas. Mas, se voltasse hoje em seu Beagle, seria perseguido pelos ecologistas.O naturalista recolheu uma série de animais, plantas e pedras que hoje seria confiscada na aduana. Darwinteria de fazer seus estudos baseado nas lembranças da viagem. E a maior parte do que relatasse à Europa seria considerada uma tremenda cascata.

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Em cada ilha que paramos, saímos acompanhados por um estudioso que nos explicava os hábitos das espécies endêmicas (as exclusivas da região), a origem das espécies introduzidas (epa!) e as adaptações ocorridas nos antepassadosdos animais até que estes adquirissem seu green card.

Fico impressionado com o conhecimentodos meus companheiros de aventura. Só mais tarde descobri que eles não sabiam tanto assim. Passam a noite lendo guias e livros na biblioteca do barco para me humilhar no passeio do dia seguinte com perguntas superinteligentes. No fim de cada explanação o guia ainda me olha com cara de “Você aí, não vai perguntar nada, sua besta?”

Tudo por aquelas bandas é bastante peculiar. A formação geológica do solo das ilhas é um exemplo. Todas têm origem vulcânica. Por baixo do arquipélago passa um fluxo de magma em alta temperatura que entra em erupção nas falhas das placas tectônicas, formando uma nova ilha quando a lava esfria. Ou seja, podemos dizer que em Galápagos a chapa é quente!

Chegamos à Ilha Santa Cruz e somos levados a um túnel de lava: uma cavidade impressionante que se forma coma passagem de um fluxo de lava após a erupção de um vulcão. A superfície do fluxo esfria e enrijece enquanto o magma continua passando. Quando o fluxo cessa, deixa construído o túnel. O governo do Rio de Janeiro já pensa emadotar a tecnologia. Estuda a instalação de um vulcão sob a cidade para a criação de novas linhas de metrô antes da Copa de 2014.

No terceiro dia de navio começo a desconfiar qual o passageiro que vai ser assassinado. É aquela velha chata que é sempre a última a se aprontar para sair para os passeios e que na volta se perdedo grupo e obriga todo mundo a procurá-la pela ilha noite adentro. E o criminosos erei eu mesmo. Espero que Hercule Poirot não descubra.

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Uma das grandes atrações de Galápagosé o fundo do mar. A variedade de espécies e a clareza das águas chamama atenção de qualquer turista. O snorkelling é uma atividade obrigatória. Afinal, você não veio até aqui paraficar no navio assistindo aos documentários da BBC.

Mas o que era para ser uma divertida atividade se torna tensa e competitiva. Sempre tem um sujeito que é o primeiro a ver uma arraia, uma tartaruga ou um leão-marinho. Você ainda não conseguiu calçar seus pés de pato e o infeliz já está gritando: “Tubarão!”, “Baleia!”. Mas, quando você se aproxima, ele diz que o animal, estranhamente, sumiu. Para curtir o snorkelling, antes de qualquer coisa, você precisa avistar um bicho estranho. Só depois pode relaxar e contemplar os peixinhos coloridos. Você já tem o que contar no barco.

Os animais em Galápagos possuem uma característica comum: eles não fogem dos seres humanos. Podemos nos aproximar deles como em nenhum outro lugar. É possível mergulhar até em áreas em que haja tubarão. Mas sempre é bom saber a que horas os tubarõesd aquela região costumam almoçar ou jantar. O regime alimentar dessas feras varia muito a cada ilha.

Uma caminhada pelas ilhas é uma boa oportunidade para se aprender um pouco da teoria da evolução. Na Ilha Isabela é possível ver, por exemplo, iguanas que nadam. Às vezes deparamos com situações tão surpreendentes que chegamos a pôr em dúvida os conceitos de Charles Darwin. Caso de adaptação muito citado é o dos cormorões-de-galápagos, que são pássarosque não voam. Eles não precisam voar porque não são perseguidos por predadores. Mas como um pássaro que desaprendeu a voar pode ser considerado um exemplo de evolução?

Solitário George

A Estação Científica Charles Darwin, situada na Ilha Santa Cruz, é outra visita obrigatória. Ali mora o Solitário George, o exemplar de tartaruga mais velho do mundo. Eu esperava ver um hipopótamo com uma carcaça no lombo. Foi fustrante. O bicho, muito assediado, ficou besta. Manteve-se distante dos turistas, não deu nenhum sorriso, nem sequer uma piscadela. Tratou-nos como se fôssemos meros paparazzi em busca de fofoca.

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Os naturalistas estão desesperados porque o George está no maior atraso e não se reproduz. Não sabemos se as tartarugas não dão mole para ele ou se o animal é muito exigente e ainda não encontrou o par ideal. O fato é que ele já está ficando falado no arquipélago.

Você já deve estar farto de saber que o arquipélago é habitado por espéciesmuito peculiares. Toda uma variedade animal vive em perfeita harmonia em Galápagos. Eu juro ter visto uma iguana marinha dando de mamar a um filhote de caranguejo! Pena eu não estar com a câmera naquela hora…

Os tentilhões de Darwin são destaque em Galápagos. O naturalista caçou diversos pássaros nas ilhas. Ao chegar à Inglaterra, se deu conta de que eram todos da mesma espécie, apenas os bicos eram diferentes para se adaptar à comida de cada ilha. Na falta de um carrão, eles têm de arrumar outras formas para atrair uma gatinha, digo, uma passarinha. Fazem um ninho, depois correm atrás da fêmea. Assim mostram que estão bem-intencionados e ainda possuem casa própria.

Descobrimos que os atobás possuem um hábito que choca os seres humanos. A fêmea põe dois ovos com a diferençade poucos dias. Depois que nascem, os dois filhotes convivem como quaisquer irmãos, brigando o dia inteiro. A mãe nunca se mete. E aí entra o cruel capricho da natureza. A briga é feroz e o objetivo do mais forte é expulsar o mais faco do ninho, demarcado com pedrinhas, como se fosse um ringue. Uma vez expulso, o irmão está fora da disputa por alimentos e pelo carinho da mamãe, que passa a dar atenção exclusiva ao mais forte. O outro morre à mingua, ali, aos olhos da família, que nada faz para salvá-lo. Questionada pelos turistas, mamãe atobá revolve o fundo do ninho, tira umas anotações de Charles Darwin e joga-as em nossa direção:

“Os selvagens fracos física ou mental-mente são eliminados e os que sobrevivem gozam de bom estado de saúde. Sem dúvida, os homens civilizados fazem de tudo para fear o processo de eliminação; construímos asilos para loucos, mutilados e enfermos, fazemos leis para os pobres, e os médicos tentam salvar a vida de todos. […] E assim os fracos das sociedades civilizadas seguem propagando seus genes”.*

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Fiquei boquiaberto ao ler aquilo e não tive como rebater a argumentação da ave. A natureza não é para amadores.

Voltando para casa

O momento mais triste da viagem é quando temos de deixar o navio e voltar à vida real. Ninguém foi assassinado. Nem a velha chata. Todo mundo obedeceu a regra de não trazer nem uma pedrinha sequer do arquipélago – ou então malocou muito bem no fundo da mala e vai rezar para não ser revistado no aeroporto. Ao chegar em casa e contar o que viu por lá, todo mundo vai se espantar e morrer de inveja. A viagem terá cumpridoo seu principal objetivo.

* Excerto extraído de El Cuaderno de Darwin, de Jonathan Clements, Editorial Oceano

Galápagos, Equador (DDI +593/5)

PANORÂMICA

Galápagos, a mil quilômetros da costa do Equador, é formado por 13 ilhas principais e dúzias de ilhotas. Mais de 90% da área compõe o Parque Nacional de Galápagos, que é a casa de 9 mil espécies de animais marinhos e terrestres. Os cerca de 25 mil habitantes humanos estão em quatro ilhas: San Cristóbal (onde ficaa capital Puerto Baquerizo Moreno), Santa Cruz, Isabela e Floreana.

FICAR

Em Puerto Ayora, o Finch Bay Eco Hotel (298-8200, www.finchbayhotel.com; diárias desde US$ 253; Cc: A, D, M, V) éum dos melhores do arquipélago, e leva para fazer mergulho e passeios de bicicleta e de caiaque. O Red Mangrove Aventura Lodge (Avenida Charles Darwin y Piqueros, 252-6564, www.redmangrove.com; diárias desde US$ 238; Cc: A, D, M, V) tem 14 charmosas acomodações com vista para o mar. Mais econômico, o Silbersteint Hotel (Avenida Charles Darwin y Piqueros, 252-6277, diárias desde US$ 140; Cc: A, D, M, V) fica a 45 minutos do aeroporto de Baltra e conta com restaurante e piscina.

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PASSEAR

O melhor jeito de conhecer Galápagos é em cruzeiros, com alimentação e passeios incluídos. A maioria sai de Puerto Ayora, em Santa Cruz, e de Puerto Baquerizo Moreno, em San Cristóbal. No M/V La Pinta, navio desta reportagem, sete noites custam desde US$ 5663 pela Metropolitan Tour (www.metropolitan-touring.com). Mais curto, o roteiro de três noitesno M/V Explorer sai por desde US$ 1655 pela Canodros (www.canodros.com). Você também pode fazer viagens de um dia. De Puerto Ayora, a Galapagos Moonrise (252-6402, www.galapagosmoonrise.com) leva à Ilha Isabela, com almoço e equipamento de snorkelling incluídos, por US$ 80. A Scuba Iguana Galapagos (www.scubaiguana.com) tem saídas para mergulho (US$ 200).

COMO CHEGAR

A Taca (0800-7618222, www.taca.com) voa até Quito, a capital equatoriana, desde US$ 648; e a LAN (0300-7880045, www.lan.com), por desde US$ 885 (ambas com escala em Lima). Em trajeto mais longo, via Cidade do Panamá, a Copa (11/3549-2672, www.copaair.com) voa desde US$ 721. De Quito, a Tame (www.tame.com.ec) leva a Galápagos por desde US$ 270; e a Aerogal (www.aerogal.com.ec), por desde US$ 378.

QUEM LEVA

A Pisa Trekking (11/5052-4085, www.pisa.tur.br) tem pacote com duas noites em Quito e cinco em Galápagos, com visita à Estação Científica Charles Darwin e duas excursões de mergulho, por desde US$ 2460. Já a Freeway (11/5088-0999, www.freeway.tur.br) tem roteiro de cinco noites no Hotel Finch Bay (www.finchbayhotel.com) com passeios por desde US$ 2908. A Ambiental (11/3818-4600, www.ambiental.tur.br) vende viagem com duas noites em Quito e cinco emcruzeiro por Galápagos, com pensão completa, por desde US$ 3867. A Venturas e Aventuras (11/3872-0362, www.venturas.com.br) tem roteiro de uma noite em Quito e quatro na Ilha Isabela, com cavalgada até o Vulcão Sierra Negra e mergulho com snorkel na Playa Grande, por desde US$ 2515.

QUANDO IR

O melhor período para mergulhar vai de junho a setembro, quando há ainda mais animais para ver.

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