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A bela e a exuberante

No Rio Grande do Norte, duas cidades pedem passagem: a sempre formosa Natal e a candidata a Jeri do século 21, São Miguel do Gostoso

Por Camilla Veras Mota
Atualizado em 16 dez 2016, 09h17 - Publicado em 8 set 2011, 12h34

Natal

“Mãe, não aguento mais ficar aqui. Por que a gente não muda para aquela cidade para onde nós fomos nas férias?” Colocada na parede dessa maneira pelo filho, a espanhola Elis Ruz resolveu trocar de vez o Rio (de Janeiro) por outro, o Grande do Norte. E agora que completou seis anos em Natal a professora de espanhol do SENAC não demonstra arrependimento por ter substituído o Pão de Açúcar pelo Morro do Careca e o calçadão de Ipanema pelo da Ponta Negra. Falam a favor da capital potiguar, diz ela, a segurança e o porte da cidade, de apenas 800 mil habitantes – 1,3 milhão se considerada a região metropolitana.

É uma escala mais humana, feliz, bem menor que a das vizinhas, adensadas e roblemáticas Recife e Fortaleza. Mas, para quem (ainda) não pensa em mudar de cidade, é bom saber que a estrutura turística de Natal não deixa nada a desejar. Ali estão alguns dos resorts urbanos mais confortáveis do Brasil, como o primeiro hotel do grupo espanhol Serhs no Brasil, o Serhs Natal Grand, com seus 396 quartos, o classudo Pestana Natal, entre outros. Para comer, são três restaurantes com a marca de distinção do GUIA BRASIL, as estrelas. A CVC, maior operadora de viagens do país, confirma a força da cidade: Natal é seu segundo destino no Brasil, atrás apenas de Porto Seguro.

Há quem não queira nem pensar em carro quando está em férias, mas dirigir em Natal não tem nada do estresse do trânsito insuportável das capitais do Sudeste. E do carro você dificilmente escapa, já que não há metrô e os táxis são caros. Três vias paralelas, as avenidas Engenheiro Roberto Freire e Hermes da Fonseca e a Via Costeira, ligam o centro às praias do sul. Pela Hermes chega-se, por exemplo, ao Memorial Câmara Cascudo, ao restaurante estrelado Mangai e ao Midway Mall, o melhor shopping da cidade. Já à Fortaleza dos Reis Magos, do século 16, uma construção em forma de estrela, vai-se pela Via Costeira, tendo o Atlântico como companhia. Saindo da Ponta Negra, são 10 quilômetros beirando a praia até que apareça o gigante branco encravado no encontro do mar com o Rio Potengi.

De carro, você ainda pode explorar bairros boêmios, como Petrópolis, na área central. E as melhores mesas de Natal, regionais, que ficam longe da turística Ponta Negra. O já citado Mangai, por exemplo, serve carne de sol e paçoca entre suas mais de 100 opções de prato. O carro também ajuda bastante na hora de fazer passeios bacanas nos arredores da cidade, como o mergulho nos parrachos (bancos de coral, em “potiguar”) de Pirangi – onde também está o famoso “maior cajueiro do mundo” – ou de Maracajaú. Só deixe mesmo o carro na garagem para fazer um city tour com alguma agência de receptivo. Vale estar com um guia para conhecer a história peculiar da cidade, que, na época da Segunda Guerra Mundial, serviu de base para as forças navais e aéreas dos Estados Unidos. Em 1942, 200 soldados americanos deram expediente em Natal. A posição estratégica da cidade, quase no vértice do Brasil, contou na decisão do encontro dos presidentes Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt, em 1943, quando o Brasil entrou com seus pracinhas na guerra. A excursão também vai esclarecer por que um filho da terra, Luís da Câmara Cascudo, é nome de instituto, museu, memorial, rua, faculdade e livraria em Natal. O maior folclorista brasileiro nasceu e viveu até seus 87 anos na cidade, onde publicou 140 livros. Diz-se que lia um livro por dia, deitado na rede da casa na Avenida Junqueira Aires. Convidado a lecionar na USP e na Sorbonne, agradeceu, mas o diabo é que essas universidades ficavam em São Paulo e Paris, não em Natal.

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O carro também fica parado no dia de seu passeio de bugue, item obrigatório no roteiro de quem debuta ou volta pela enésima vez a Natal. Mesmo parecendo exagero, compre o itinerário completo, que dura oito horas. O tempo não é suficiente pra você enjoar no sobe e desce das dunas, da praia e do mar. O roteiro passa pelo Parque das Dunas de Genipabu, Barra do Rio, Pitangui e termina em Jacumã, onde se faz o aerobunda – uma tirolesa de 100 metros que leva a um tchibum na Lagoa de Jacumã. A volta de lá é em jangada.

Natal tem planos de investir em campanhas publicitárias para pular do atual 1,3 milhão de visitantes para 2 milhões em quatro anos. O turismo é crucial para a economia local – responde por cerca de 40% do PIB. Já existe um Passaporte Verão, que dá descontos em serviços durante a estação e uma versão natalense da Virada Cultural paulistana, prevista para 2012.

São Miguel do Gostoso

São quatro ruelas de areia que desembocam na praia. Nelas, umas 20 pousadinhas – duas com minispa. Há também alguns restaurantes aconchegantes com iluminação indireta e preços bem camaradas (duas pessoas comem um prato de camarão por R$ 30). Na avenida principal há casas humildes de pescadores, sinal de que a pressão imobiliária ainda não chegou. Não fossem um precoce calçadão à beira-mar e o asfalto em metade da Avenida dos Arrecifes, São Miguel do Gostoso, a estrela que sobe do litoral potiguar, seria a candidata natural a Pipa ou a Jericoacoara – a Pipa ou a Jeri de 20 anos atrás.

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Ou, para ficar mais claro, um dos melhores destinos de praia do Brasil em 2010.

Irônico pensar que esse pedaço do Brasil parece recém-descoberto. É que foi ali, em 1501, que os portugueses deixaram o primeiro padrão de pedra com a Cruz de Malta em terras brasileiras – o marco simbólico da dominação do Brasil. Como se Gostoso despertasse, portanto, de um sono de mais de 500 anos, em agosto do ano passado chegaram os primeiros caixas eletrônicos. Depois, a lotérica. Mais recentemente foram os celulares da Claro que começaram a mostrar serviço. Das 11 pousadas da cidade listadas no GUIA BRASIL, metade delas surgiu nos três últimos anos. Caso da Só Alegria, a melhor do lugar.

Não é apenas a sensação de isolamento que faz de Gostoso a tal Pipa-Jeri do século 21. Há ali também as mesmas boas condições para a prática de esportes náuticos e pousadas e restaurantes com ambientes cool, sem afetação. De Natal, são apenas 110 quilômetros pela BR-101, rumo norte. A estrada é de pista simples, mas está em situação decente – aviso necessário para quem já andou pelas rodovias do estado. Os 15 quilômetros que ligam a 101 (que tem o ponto inicial de seus 4 500 quilômetros justamente ali) ao pórtico da cidade é que exigem atenção. O asfalto está avariado e até pouco tempo atrás havia um grande desvio por causa de uma cratera na estrada.

A atividade turística em Gostoso começou pela Ponta do Santo Cristo, possivelmente a mais bela praia da cidade juntamente com a hors-concours Tourinhos. Os primeiros visitantes vieram parar na Ponta por motivações bem semelhantes às do kitesurfista francês Rêmi, que rodava o mundo em busca do que considera a praia perfeita – de mar calmo e vento constante. Encontrou: há três anos ensina suas habilidades náuticas na Escola Gostoso, que montou com um amigo, e diz que só volta para a Bretanha natal para visitar a família. Se você não arrasa no back roll, mas é admirador do esporte, pode começar a praticá-lo ali. Os preços das aulas são honestos (R$ 90 por uma hora e meia, metade do que se paga em Flexeiras, no Ceará, por exemplo), o mar aceita os calouros e os instrutores são ótimos (em todos os sentidos, meninas). Os menos aventureiros podem aparecer nos fins de tarde para assistir às velas em movimento e ao pôr do sol matador.

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As praias do Cardeiro e do Maceió são parecidas. Tranquilas e pontuadas por jangadas que parecem ter sido dispostas na areia com algum propósito estético. O mar é quente e esverdeado, e a areia, branca e solta. Entre as duas fica a Praia da Xepa, com jeito e função de “praia do centro” – e, por isso, prescindível. O quarteto se estende por 21 quilômetros do litoral do estado.

Passar todos os dias entorpecido pelo sol, da pousada para a praia e daí para a caldeirada de frutos do mar ou o camarão ao alho e óleo, é uma rotina muito convidativa. Mas, creia, você vai se arrepender se não romper essa agradável inércia. Oito quilômetros a oeste de Gostoso fica a já citada Tourinhos, digna de qualquer lista de “mais-mais”. Não bastasse ser deserta, preservada, ter mar de piscina e ostentar em seu canto direito uma falésia vermelha de quase 8 metros de altura, ela ainda tem um feature próprio, que a distingue das demais. Quando a maré sobe, as ondas batem num recife e esguicham água pra todo lado, fenômeno que chamam lá de “suspiro da baleia”. Tourinhos está no roteiro de quem vai de bugue a Galinhos – outra pérola do litoral potiguar, 50 quilômetros na direção do Ceará.

Se estiver em Gostoso no fim de semana, passe no Farol do Calcanhar, o maior do Brasil, só pra contar vantagem quando voltar pra casa. Ele fica 20 quilômetros a leste da cidade, já na vizinha Touros. O segundo-sargento Martins é quem dubla de guia, aos domingos à tarde, quando o farol é aberto ao público. São 62 metros – um prédio de 20 andares -, mas Martins fará de tudo para que você o acompanhe até o topo. Ele irá citar a história da americana de 74 anos e quadris recém-recuperados de uma fratura complicada que venceu com o filho os 277 degraus para ganhar a vista (realmente) incrível do Atlântico lá de cima.

Aproveite a esticada para chegar à Praia de Perobas, mais 9 quilômetros na direção de Natal. É ali que você fará o passeio mais bacana em parrachos do Rio Grande do Norte. Ao contrário de Maracajaú e Pirangi, que levam aos corais dezenas de turistas em catamarãs com trilha sonora que inclui de Forró do Muído pra baixo, em Perobas os turistas chegam às barreiras de corais em jangadas que só comportam quatro pessoas. A trilha é o barulho do vento. Além de vip, o passeio de meia hora até lá já é uma delícia e um aperitivo das duas horas de snorkeling no mar cristalino, seguindo os peixes e os bichinhos esquisitos que vivem ali.

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Toda experiência turística em Gostoso ainda é assim: em tom de exclusividade despretensiosa, sem luxo mas também sem qualquer sinal de muvuca. “Ninguém vem pra cá desfilar com o carro, mostrar o biquíni de marca, a barriga de tanquinho e o piercing no umbigo”, diz Kiko Prado, paulistano de berço e micaelense há quatro anos. Bronzeado, levemente despenteado, de bermuda e chinelo, o sócio da pousada Casa de Taipa festeja a ausência de vida noturna na cidade. Ao contrário de Pipa-Jeri, em Gostoso não há muito o que fazer à noite. Ao menos fora das pousadas, bem entendido. O potiguar Emanuel Neri, executivo em São Paulo e nas horas vagas dono da Pousada dos Ponteiros, uma das pioneiras de Gostoso, vai na mesma toada. “A gente não quer virar Pipa”, diz. “Quem vem para cá tem de tirar o fio terra. Ou melhor, desligar o fio e ligar o terra!”

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