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Epifanias de um domingo

Reflexões sobre a sustentável leveza de um passeio de bicicleta por São Paulo

Por Renato Modernell
Atualizado em 16 dez 2016, 08h53 - Publicado em 6 fev 2012, 13h54

A bicicleta que alugo no metrô Anhangabaú, no centro de São Paulo, dá de dez nas tranqueiras que já me empurraram nos parques. Limpa, novinha, regulada e com enxoval completo: cadeado e capacete. Como ela, há outras 700 para alugar nos 22 bicicletários da cidade.

David Byrne leva sua magrela dobrável na mala quando sai para tocar pelo mundo. Ele acha as formidáveis ciclovias de Berlim menos instigantes que o trânsito caótico de Istambul. Penso então: vai ver o Anhangabaú tem algo do Bósforo e nunca me disseram nada.

Moradores de rua se espreguiçam lentamente ao sentir a aproximação, também lenta, da viatura policial. Domingo, ninguém tem pressa. Eu é que haveria de ter? Pedalo devagar no amplo piso de pedras portuguesas. O sol da manhã resplandece no Theatro Municipal. Andar de bicicleta sempre me pareceu um ato libertário. Como na dança ou no sexo, o equilíbrio depende do movimento.

As ruas do centro estão vazias. Nem os gatos acordaram. Não ouso entrar de capacete no mosteiro de São Bento, embora pudesse deixar a bike no estacionamento. Opto por tomar um café no Girondino, que aos domingos tem a atmosfera vivaz das padarias descoladas. Surgem ciclistas estilosos. Não me vejo numa tribo dessas. Mas tampouco diria: dessa água não beberei.

No Mercadão, permitem-me entrar empurrando a bicicleta. Esse veículo feito de peças finas e estruturas vazadas é algo genial. Mais leve que o corpo do condutor, a bicicleta é silenciosa e essencial como uma fruta. Vejo pilhas de jabuticabas viçosas: primavera.

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Depois circundo o Mercadão para apreciar detalhes externos. O ciclista tem uma visão mais panorâmica que a do motorista; e sua observação é mais dinâmica que a do pedestre por assemelhar-se ao efeito de uma câmera em travelling. Outra vantagem é a privacidade. Ninguém aborda um ciclista para pedir ou oferecer coisas. Após três horas de vadiagem em pedais, chego ao sopé da Ladeira Porto Geral, suplício de quem faz compras na 25 de Março. Sonho com uma bicicleta dobrável. Mas de dobrável mesmo, nessa hora, só tenho o boné.

RENATO MODERNELL adoraria que São Paulo tivesse o trânsito de domingo em outros dias da semana

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